Tese

Quem somos e o que queremos?

Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!
(Poeminha do Contra – Mario Quintana)

Somos estudantes de Direito que querem debater e refletir a Universidade para além dos seus muros. Permanecemos lutando pela Universidade pública gratuita e de qualidade, sem aceitar adaptação a esse modelo de sociedade desigual, onde se reproduz dia a dia a opressão e a exploração entre os seres humanos. Sonhos e utopias ainda nos impulsionam para construir uma nova realidade. Para isso, buscamos um movimento em que os estudantes possam ser sujeitos e não espectadores do espetáculo de alguns.

O Direito não pode ser compreendido como algo alheio à sociedade. Entendemos que o chamado “mundo jurídico” está, na verdade, inserido dentro de um contexto histórico-social que não pode ser negado. Por isso, queremos formular uma nova cultura do ensino do Direito, buscando, num exercício de ação e reflexão, possibilidades de tencionar o mundo tal como ele nos aparece.

Propomos assim a reflexão crítica e prática, onde o discurso teórico terá de ser, necessariamente, aliado à sua aplicação prática, pois acreditamos que o processo de conhecimento não está presente apenas nas salas de aula. Desaprovamos as mentalidades comodistas e reconhecemos que a História é um tempo de possibilidades.

Precisamos construir uma sociedade solidária, justa e igualitária, com respeito à vida e à dignidade da pessoa humana, garantidos pela Constituição Federal, onde o ser humano seja emancipado dos grilhões do determinismo neoliberal. Para tanto, é imprescindível ter uma formação que discuta e intervenha na sociedade e produza uma elaboração crítica sobre ela.

Universidade para quem?

“A transformação da educação não pode antecipar-se à transformação da sociedade, mas esta transformação necessita da educação”.
(Paulo Freire)

A Universidade pública e gratuita é para poucos. Ao passar pelo funil do vestibular começamos a perceber que nem todos têm os mesmos direitos e oportunidades. A competição marca o processo, o que importa é se você é melhor que os outros. Mas a questão é: para que serve a universidade e quais os nossos objetivos com ela?

Primeiramente, devemos entender que a educação e o conhecimento são fundamentais para a emancipação humana e para o desenvolvimento de um país como uma nação verdadeiramente soberana e livre. Dessa forma, a falta de iniciativas sólidas na área educacional agrava as condições de desigualdade extremas existentes e enfraquecem a democracia.

O descaso histórico das políticas de educação no país é um dos fatores fundamentais para a concentração de renda nas mãos de uma minoria capaz de pagar por uma educação de qualidade. Nesse sentido, só aqueles que detêm o poder econômico possuem também o poder de opção, de decisão, oportunidades políticas, sociais e culturais.

A partir deste cenário político-social excludente e antidemocrático, onde a liberdade humana confunde-se com a liberdade de mercado, fica claro que o atual sistema educativo não satisfaz às necessidades da sociedade.

Não podemos aceitar que a Universidade reproduza esta lógica de opressão e mercantilização generalizada. Ao contrário, devemos lutar por uma universidade mais democrática, onde todos aqueles que queriam fazer um curso, tenham esse direito. Além disso, consolidar um plano de assistência estudantil é imprescindível. Não são todos os estudantes que entram na universidade e têm condições financeiras de se manter. O transporte, a moradia, a xerox e a alimentação são diversas coisas que temos que comprar cotidianamente. Portanto, iniciativas como passe-livre para estudantes universitários, moradia estudantil, bandejão e xerox a preço de custo são construções fundamentais para o Movimento Estudantil. Sendo assim, a luta por mais bolsas de assistência estudantil torna-se imprescindível.

A manutenção do caráter público, gratuito e de qualidade deve ser uma de nossas prioridades. As diversas iniciativas de privatização da universidade devem ser combatidas pelos estudantes. Os cursos pagos, por exemplo, promovem uma distorção em nossa Universidade. A UFF é pública e, mesmo assim, há salas que não podemos entrar e livros que não podemos pegar, pois nós não pagamos pelos cursos privados. Inclusive, por isso, nos faltam professores, que dão aulas nesses cursos e não nas nossas turmas. Há também o problema da falta de transparência.

A própria Constituição Federal já mostra a irregularidade da existência desses cursos, uma vez que toda prática de ensino em estabelecimentos oficiais é obrigatoriamente gratuita (art. 206).

A Universidade deve ser baseada no tripé ensino, pesquisa e extensão. Dessa forma, a expansão da universidade não deve ser baseada em um modelo voltado para os interesses do mercado. Ao contrário, a expansão deve ser de qualidade e, por isso, autônoma aos objetivos do REUNI. Os estudantes devem ter autonomia para influenciar os rumos do REUNI.

Universidade na sociedade

“A forma radical de ser dos seres humanos enquanto seres que, refazendo o mundo que não fizeram, fazem o mundo, e neste fazer e refazer se re-fazem. São porque estão sendo.”
(Paulo Freire)

Na sociedade atual, os valores hegemônicos são o do individualismo, do mérito, do lucro e do consumismo. Enfim, as pessoas valem pelo que possuem e não pelo que são. Pensar o mundo coletivamente não faz parte do nosso modelo de sociedade. Não nos entendemos como um conjunto, mas, sim, como indivíduos que não precisam dos outros para viver.

A destruição predatória do meio ambiente, a violência como manifestação global dos conflitos sociais e a desigualdade nos questionam sobre qual humanidade estamos construindo. Apesar do imenso avanço da tecnologia que deflagrou importantes mudanças na produção de alimentos e na saúde pública, ainda temos que lidar com o absurdo da fome a da miséria e com o auxilio médico apenas para aqueles que podem pagar. O desenvolvimento econômico, não foi suficiente para erradicar a enorme contradição entre ricos e os pobres, em que estes são extremamente explorados, não possuem moradia e condições mínimas de uma vida digna. Os transportes, o espaço urbano, o campo, a energia elétrica, a saúde, a educação, a cultura servem não ao desenvolvimento social e humano, mas sim, aos lucros de poucos que controlam esses recursos. A vida não tem supremacia ante a mercadoria.

Diante deste cenário de barbárie, devemos nos questionar sobre qual papel podemos desempenhar para contribuir na transformação dessa realidade.

Enfim, a UFF não é descolada do mundo e dos problemas sociais e, por isso, deve se relacionar com a sociedade. Precisamos contribuir para acabar com o mito que o Direito, em particular, é separado da sociedade e, logo, que os problemas de ambos não estão interligados. Na verdade, por entendermos que não existe teoria descolada da prática, acreditamos que o Direito deve ser um instrumento de transformação, já que uma enorme parcela da população não tem acesso aos direitos e garantias fundamentais.

De acordo com a Constituição Federal, nossa República tem como um dos objetivos fundamentais erradicar a pobreza e a marginalização, assim como reduzir as desigualdades sociais e regionais. Porém, infelizmente, a desigualdade e a exploração ainda geram milhões de oprimidos. A violação constante dos direito humanos é outro elemento que compõe este trágico cenário: vivemos uma crise no sistema prisional, os movimentos sociais são constantemente criminalizados e os pobres são tratados como delinqüentes. Percebemos assim que a crise que se apresentou nos últimos tempos não era apenas econômica, mas sim humanitária.

Recentemente, as chuvas provocaram um verdadeiro caos no município de Niterói. Várias pessoas morreram e outras perderam suas casas e seus familiares. Nós, como estudantes de Direito, não podemos ficar alheios diante destes problemas. Constituição garante o direito a uma vida digna e moradia de qualidade a todos. Cabe a nós lutar para garantir que estes e outros direitos fundamentais à existência humana se materializem de fato. Chega de nos conformarmos com a realidade que nos é imposta. Queremos um Direito e a UFF mais integrados com a sociedade, especialmente com Niterói. Nossa cidade precisa de uma UFF mais consciente!! Vamos fazer juntos essa transformação??!?

“Vomitar este tédio sobre a cidade.

Quarenta anos e nenhum problema

resolvido, sequer colocado.

Nenhuma carta escrita nem recebida.

Todos os homens voltam pra casa.

Estão menos livres mas levam jornais

e soletram o mundo, sabendo que o perdem”

(A Flor e a Náusea – Carlos Drummond de Andrade)

Esse material é uma contribuição do Coletivo Direito em Questão.

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